A Igreja Católica tem metas e critérios espirituais, mas lida com uma gigantesca estrutura de pessoal e emprega um engenhoso sistema de gestão financeira. Entenda como funciona o RH dessa multinacional da fé
Por Karla Spotorno e Marcelo Musa Cavallari
A igreja Nossa Senhora do Brasil, localizada num dos bairros mais elegantes de São Paulo, não tem mais datas disponíveis para casamento até o fim de 2010. No escritório com ar-condicionado, o vigário paroquial Anderson Banzatto, 27 anos, já está gerenciando, no notebook conectado à internet, os casamentos que só ocorrerão no ano que vem, sob a bela arquitetura da igreja, que atrai até turistas estrangeiros. Na paróquia Santa Paulina, em Heliópolis, uma das áreas mais carentes da Zona Sul de São Paulo, o padre Jaime Antônio Diaz Cadavid, 63 anos, recebe as pessoas nos bancos da igreja, uma construção simples que lembra um pequeno galpão. Não há escritório. Muito menos ar-condicionado e computador. Fosse uma empresa, a igreja católica talvez fechasse Santa Paulina, cuja receita gira em torno de R$ 2 mil por mês. Já o pároco da Nossa Senhora do Brasil receberia um generoso bônus.
Mas não é esse tipo de resultado que entra em consideração quando se trata de administrar a igreja. Com seus 5 mil bispos, 409.166 sacerdotes e 739.067 religiosos espalhados pelo mundo, segundo o Anuário Pontifício publicado no último dia 20 com dados de 2008, a igreja católica pode parecer mais um exército altamente hierarquizado sob as ordens do papa do que uma multinacional lucrativa. E se não é uma empresa, do ponto de vista administrativo a igreja funciona ao contrário de um exército: as menores unidades são autônomas em relação às maiores.
Administrativamente, entenda-se. A doutrina é a mesma, os sacramentos são os mesmos. O objetivo é o mesmo: “Evangelizar e cultuar a Deus”, nas palavras do padre Helio Pereira de Campos Filho. Não é o tipo de coisa que você está acostumado a ouvir de um supervisor administrativo. Mas é essa função que o padre Helio exerce como superintendente da Comissão Administrativa Metropolitana, o órgão responsável pela administração da diocese de São Paulo. Uma diocese é a região sob a jurisdição de um bispo. Os padres ligados a ela são os diocesanos, ou seculares. Algumas ordens religiosas têm padres também, mas gerenciados por essas ordens, cada uma com suas regras específicas.
A estrutura administrativa básica da igreja é a diocese. A de São Paulo, mesmo sem atingir toda a cidade, é a terceira maior do mundo, atrás apenas das mexicanas de Guadalajara e da Cidade do México. Como é muito grande, a diocese de São Paulo é uma arquidiocese, e o arcebispo, o cardeal Dom Odilo Scherer, conta com bispos auxiliares para ajudá-lo a geri-la. Dom Odilo responde diretamente ao papa e tem sob suas ordens os padres que cuidam das 287 paróquias da cidade. “As paróquias são comunidades que chegaram à condição de sustentar suas atividades religiosas”, diz o padre Helio. E assim é que a igreja, hierárquica na obediência, funciona de baixo para cima na administração.
Carreira nada ousada
A paróquia é autônoma. Vive do dinheiro que os fiéis dão como dízimo, como oferta durante as missas ou como espórtula, o pagamento para realizar casamentos, missas votivas, batizados. Com esse dinheiro, o pároco paga as contas (de água, luz...), financia todo tipo de atividade que a paróquia realiza e retira sua parte. Não há vínculo empregatício entre o padre e a igreja. Assim, ele não recebe salário, mas uma remuneração chamada côngrua, que cresce de acordo com o tempo de ordenação, mas está longe de representar um plano de carreira sedutor. Do primeiro ao quinto ano depois de ordenado, o padre recebe, em São Paulo, o equivalente a 2,5 salários mínimos. Do quinto ao décimo quinto ano, a côngrua equivale a três salários mínimos. Do décimo quinto ao vigésimo quinto, quatro salários e, daí em diante, cinco salários. Mesmo que o padre tenha outra fonte de renda (sim, isso é permitido), com alguma função na cúria ou dando aulas, ou que ainda receba o aluguel de um imóvel, a recomendação é que viva com no máximo sete salários mínimos, ou R$ 3.570 mensais.
Se a paróquia gerar dinheiro suficiente, pode contratar empregados. Na Nossa Senhora do Brasil, são 15 os funcionários, que administram também duas creches. Se não tiver recursos para contratar, a paróquia muitas vezes recorre ao voluntariado, outra forma de doação dos fiéis, em forma de trabalho, como acontece na paróquia Santa Paulina, em Heliópolis, onde todas as tarefas são realizadas pelo padre Jaime, com ajuda dos fiéis da comunidade. Colombiano de nascimento, padre Jaime estudou filosofia e teologia. Morou na Itália e em Londres. Depois de ordenado, trabalhou no Quênia, no Equador e na Amazônia colombiana. Quando completou 60 anos, foi designado para a paróquia de Heliópolis, embora não desejasse começar do zero um projeto de evangelização na idade de se aposentar. “Meus parentes não gostaram nada da mudança”, afirma padre Jaime.
Como uma multinacional que envia dividendos à matriz, cada paróquia tem de repassar à cúria, o órgão que administra a diocese, uma certa quantia. Trata-se de um valor fixo, não uma porcentagem, decidida pela cúria levando em consideração a capacidade de cada paróquia. A mesma relação que a paróquia tem com a diocese, esta tem com o Vaticano. Anualmente há alguns dias em que a coleta, o dinheiro arrecadado nas missas, vai para a sede mundial da igreja. Dia 29 de junho, por exemplo, é o óbolo de São Pedro, e o dinheiro migra para a cúria romana.
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